domingo, 9 de outubro de 2011

A Argumentação no ENEM

           Recebi este texto e achei interessante não só a temática como a abordagem do assunto. Por isso, resolvi postar aqui. Espero que gostem.


Prof. Zé Victor 02/10/2011

Recentemente, tenho percebido com certo assombro que boa parte de meus alunos (possivelmente a maioria) ainda faz certa confusão acerca do que é um ponto de vista bem fundamentado em argumentos plausíveis, e o que é mera opinião. Antes que a inquisição me leve à fogueira por tal afirmação, gostaria de recorrer à definição do Dicionário Michaelis para este último verbete: o.pi.ni.ão: s. f. 1. Maneira de opinar; modo de ver pessoal; parecer, voto emitido ou manifestado sobre certo assunto. 2. Asserção sem fundamento; presunção. 3. Conceito, reputação. 4. Capricho, teimosia.
Em redações de vestibulares, no caso específico do texto dissertativo, adota-se, comumente, o artifício lingüístico de não se utilizar a primeira pessoa do singular – EU – e nem verbos conjugados nessa pessoa, o que teria o mesmo resultado. Segundo os professores Francisco Platão Savioli (ANGLO VESTIBULARES) e José Luis Fiorin (USP), no livro Para entender o texto – o qual tenho usado como referência para minha metodologia de trabalho com redação – essa estratégia de neutralização da presença do enunciador serve para que os argumentos usados não sejam interpretados como mera opinião do autor do texto. Segundo os referidos autores, “Quando, eventualmente, se utilizam verbos de dizer, são verbos que indicam certeza e cujo sujeito se dilui sob a forma de um elemento de significação ampla e impessoal, indicando que o enunciado é fruto de um saber coletivo, que se denomina ciência“ (PLATÃO & FIORIN, 1999).
Entretanto, a mera observância desse artifício lingüístico de nada valerá ao estudante, caso o mesmo fundamente seu texto em pontos de vista insustentáveis ou facilmente contestáveis, ou seja, na mera opinião pessoal. Creio ser válido citar novamente o professor Francisco Platão Savioli, em entrevista concedida à Veja.com, acerca da redação no Enem:
“Dissertação é texto do universo comentado. Firmar uma posição com base em bons argumentos, ser capaz de negociar e não de se impor arbitrariamente. O Enem faz explicitamente uma exigência que os outros vestibulares não fazem explicitamente, mas cobram, que é a necessidade de propor uma intervenção transformadora para resolver aquele problema discutido sem ferir os direitos humanos. Existe aí o risco de o candidato pensar o seguinte: ‘então, eu não posso dar minha opinião’. Não, não pode dar uma opinião não sustentável. Então, argumento fraco e afirmações gratuitas são mortais na redação”. (Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=U-VaM_uV5ys)
Observe a seguinte definição do Dicionário Michaelis: ar.gu.men.to: s. m. 1. Prova que serve para afirmar ou negar um fato. 2. Meio ao qual se recorre para convencer alguém. 3. Tema, enredo de uma peça teatral ou de um filme. 4. Lit. Sumário de uma obra literária. 5. Fam. Altercação, contenda, discussão.
Ou seja, tomando a acepção da palavra argumento como “Prova que serve para afirmar ou negar um fato”, chamo a atenção para a necessidade de que baseemos nossos posicionamentos em provas cabais, factuais, coerentes com aquilo a que chamamos “ciência”. Retomando o que dizem Platão & Fiorin, o recurso lingüístico de não-uso da primeira pessoa do singular permitiria a ocultação do sujeito-autor do texto, que “se dilui sob a forma de um elemento de significação ampla e impessoal, indicando que o enunciado é fruto de um saber coletivo, que se denomina ciência“. E a ciência, como se sabe, baseia-se em fatos verificáveis, argumentos factuais e plausíveis, o que lhe tem conferido grande credibilidade ao longo dos séculos. Tal objetividade, pretendida em um texto dissertativo deve, portanto, excluir argumentos do tipo: “segundo a Bíblia”, “de acordo com os preceitos cristãos”, “foi assim que fomos educados por nossos pais” ou mesmo “essa é a opinião da maioria das pessoas”. Tais “argumentos”, se é que assim podem ser chamados, perderiam sua validade por dois aspectos. Primeiramente, por que partem de questões de foro ÍNTIMO e SUBJETIVO, o que por si só entraria em conflito com o discurso dissertativo de caráter científico, justamente por lhes faltar a tão pretendida OBJETIVIDADE, e por não serem aceitos ou aplicáveis a todas as pessoas indistintamente. Em segundo lugar, já prevendo o “argumento” de que a opinião da maioria enquanto “saber coletivo” não poderia ser considerada como sendo de foro INTIMO e SUBJETIVO, é necessário fazer aqui a devida distinção entre o senso comum e o discurso dissertativo de caráter científico.
Segundo a definição do Dicionário Michaelis: sen.so: s. m. 1. Faculdade de julgar, de raciocinar; entendimento. 2. Siso, juízo, tino. 3. P. us. Sentido, direção. — S. comum: modo de pensar da maioria das pessoas.
Creio ser desnecessárioarantir... No dicionário Aurélio, encontramos a seguinte definição para a expressão Senso comum: Conjunto d chamar a atenção para a diferenciação feita pelo dicionário entre senso e senso comum, mas só para ge opiniões tão geralmente aceitas em época determinada que as opiniões contrárias aparecem como aberrações individuais.
            Agora, observe a seguinte citação, extraída do site http://educacao.uol.com.br/historia/nazismo-violencia-e-propaganda-foram-as-armas-de-adolf-hitler.jhtm:Ideologicamente, Hitler se apropriou de idéias nacionalistas já em voga na Alemanha, radicalizando-as. Defendia a necessidade de unidade nacional, garantida por um Estado governado por um partido único, o Nazista, do qual ele era o líder supremo. Identificado com a própria nação, Hitler passou a ser cultuado como um super-homem pela imensa maioria do povo alemão. (...) O nazismo proclamava também a "superioridade biológica da raça ariana" (a que pertenceria o povo alemão) e, conseqüentemente, a necessidade de dominar as "raças inferiores". Entre estes, colocavam-se os judeus, os eslavos, os ciganos e os negros”. 
            Acreditar que a opinião da maioria deve sempre prevalecer como verdade absoluta é referendar posturas, como a da citação exposta acima, como sendo corretas. Mas, em todo caso, caberia perguntar: e se a maioria estiver errada?
            O senso crítico nos faria perguntar: Quais são os argumentos da maioria? São válidos tais argumentos? Se sustentariam diante de uma argüição séria e objetiva? O que tem a dizer a maioria em defesa de seus argumentos? Se a resposta for somente: “somos a maioria e a vontade da maioria prevalece”, certamente estaríamos diante de uma verdade, infelizmente (principalmente para a minoria), mas certamente estaríamos também diante de uma mera opinião. Diante da pergunta sobre “por que a vontade da maioria deve prevalecer?”, não me espantaria se ouvisse “argumentos” como “por que sim!”, ou “por que mesmo”, ou “por que isso sempre foi assim!”, ou até mesmo “por que essa é a vontade de Deus”. Infelizmente, tais “argumentos”, não poderiam ser assim considerados, pois, como foi dito acima, falta-lhes OBJETIVIDADE.
Como já havia sido mencionado, o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), pede explicitamente que o candidato elabore uma proposta de “intervenção transformadora pra resolver aquele problema discutido sem ferir os direitos humanos”. Certa vez, tive a grande surpresa de ouvir em meio às opiniões e argumentos dos alunos, alguém dizer que, por conta de tal exigência de respeito aos direitos humanos, era necessário mentir para passar no vestibular. Fiquei novamente surpreso, negativamente (diga-se de passagem). Mas, certamente, na incapacidade de reverter tal situação, está longe de mim ousar pedir que um aluno meu seja sincero. Afinal, mentir é algo que fere profundamente os meus princípios, os valores com os quais fui criado, as minhas mais profundas convicções religiosas e, portanto, isso não passaria uma mera opinião pessoal minha, para a qual eu não teria sequer um argumento plausível ou sustentável. Além disso, temos de dar um desconto e perceber que “os tempos são outros”. Afinal, os valores são culturais e subjetivos, e imagino que quando nas tábuas da Lei foi escrito o mandamento “ama o teu próximo como a ti mesmo”, ou quando Jesus falou, em seu tempo, que toda a Lei e os profetas estariam sintetizados nesses dois mandamentos: “amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo”, certamente, não se vivia em uma “Democracia Representativa”. E há quem pense que, justamente por vivermos em uma “Democracia Representativa”, a vontade da maioria deve sempre prevalecer, e que isso é “democrático”. Mas só para esclarecer certas confusões conceituais, segue uma breve definição do que seria democracia:
“Democracia ("demo+kratos") é um regime de governo em que o poder de tomar importantes decisões políticas está com os cidadãos (povo), direta ou indiretamente, por meio de representantes eleitos — forma mais usual. Uma democracia pode existir num sistema presidencialista ou parlamentarista, republicano ou monárquico.
As Democracias podem ser divididas em diferentes tipos, baseado em um número de distinções. A distinção mais importante acontece entre democracia direta (algumas vezes chamada "democracia pura"), onde o povo expressa a sua vontade por voto direto em cada assunto particular, e a democracia representativa (algumas vezes chamada "democracia indireta"), onde o povo expressa sua vontade através da eleição de representantes que tomam decisões em nome daqueles que os elegeram.
Outros itens importantes na democracia incluem exatamente quem é "o Povo", isto é, quem terá direito ao voto; como proteger os direitos de minorias contra a "tirania da maioria" e qual sistema deve ser usado para a eleição de representantes ou outros executivos”. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Democracia
            Caso ainda reste alguma dúvida, após o grifo feito na citação, de que uma DEMOCRACIA moderna, para ser concebida como tal, deve proteger as minorias, e não esmagá-las sob o peso da opinião da maioria, talvez seja o caso de um plebiscito, para ver se a volta ao Império no Brasil não seria uma saída, pois começo a pensar se o mesmo não constituiria um sistema político um tanto mais humanitário.
“Deus salve a rainha!”

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